segunda-feira, dezembro 25, 2006

Aos que um dia me desejaram luz

Cada vez mais estou levando a sério esse papo de luz. Principalmente depois que assisti “Terra em transe”, do Glauber Rocha.
Foi numa noite de 12 de dezembro de 2006, na última aula do curso sobre a história da Nouvelle Vague e do Cinema novo, ministrada pelo Prof. Eduardo Morenttin.

O filme é de 1967 (período pós revolução/golpe 64) tem aproximadamente 106 minutos de duração. A primeira impressão que tive foi muito boa. A imagem aérea partindo do mar, passando pela praia e indo em direção ao continente, ao batuque ritualístico de tambores dos negros africanos. O filme gira em torno da disputa política entre as figuras do populista Vieira e o reacionário Porfírio (muito bem representado por Paulo Autran), pela presidência do fictício país Eldorado. Em meio a essa disputa, o jornalista Paulo Martins, principal protagonista, vive uma grande crise de identidade. Inicialmente, ele participa da campanha de Vieira. Num comício, interrompe o discurso do sindicalista Jerônimo, calando-o, e olhando para a câmera, instiga: “Que povo é este? Já imaginaram um Jerônimo no poder?”.
Paulo Martins afasta-se de Vieira, e conseqüentemente da militante Sara (assessora direta de Vieira) e volta a trabalhar na redação do jornal.
Fuentes, um magnata, símbolo do capitalismo nacional, detentor de uma rede de meios de comunicação, e que até fisicamente nos faz lembrar Chateaubriand, é dono do jornal onde Paulo Martins trabalha. Fuentes tem ideais populistas. Mas trai a aliança, passando para o lado de Porfírio, desestruturando o projeto presidencial de Vieira.

Pois bem, tudo isso para mim estava muito confuso. Eu mal era capaz de descrever esta simples e pouco aprofundada estória. Por isso, já me encontrava ansioso pela explicação do Prof. Morenttin, que já havia contribuindo muito para o entendimento dos filmes anteriormente analizados.
Confesso que desta vez as informações dele pouco elucidaram. Basicamente, hipotéticas alusões de personagens à pessoas reais, tais como Vieira e Jango; Paulo Martins e Paulo Francis; Fuentes lembrando Chateau; Características de Ruy Barbosa em Porfírio etc. Mas o filme era realmente muito complexo (pelo menos para mim) e repleto de flashbacks.

Já eram quase 23h, mais da metade dos alunos participantes já haviam ido embora. Até eu já me preparava para esgueirar-me. Eis que uma moça da última fileira levanta o braço e, tendo anotações como material de apoio, começa a discorrer. Num átimo, eu senti um arrepio (isso é raro) e com as palavras dela tudo tornou-se simples e claro pra mim.

Compreendi, definitivamente, que o filme apresenta um retrato cáustico da política e cultura brasileiras, do qual nem a direita nem a esquerda escapam.
Também ficou clara a idéia de que a mutabilidade partidária de Paulo Martins deveu-se ao fato de ele não se identificar com o povo que tanto defendia. Paulo também sonhava com a revolução, mas sempre esperando que alguém tomasse a iniciativa.
Finalmente, pude concluir que quem realmente estava “em transe” era o povo, usado sempre como palavra-chave nos discursos dos candidatos, e no entanto continuavam sendo vítimas do pouco caso das autoridades, mal conseguindo sobreviver em meio à exploração e aos interesses das classes superiores.

Eu nem ao menos fiquei sabendo o nome daquela moça, mas tomara que ela continue aclarando os “ués” das mentes obscuras. E àqueles que um dia me desejaram luz, luz!